Texto de Francisco Trindade reproduzido em seu blog, a respeito da relação de Pierre-Joseph Proudhon com o romantismo e seus artistas e filósofos
Como homem do século XIX que ele foi, avançando mesmo nos assuntos, P.-J.Proudhon opõe-se portanto, constantemente ao grande impulso estético e ético da sua geração: o romantismo. Pode-se mesmo dizer que ele foi o mais consequente dos anti-românticos. Não seguros da rejeição da novidade, mas pelo nome das convicções que inspiraram toda a sua vida. Na origem, do romantismo – pelo menos em França – há um regresso nostálgico para com o passado, provocado pelo terrível choque do período revolucionário. Pelo contrário, levando em conta a Revolução que ele quis conduzir a seu termo, Proudhon está inteiramente orientado para o futuro.
Essencialmente racionalista, ele nunca recusou a sua dívida perante as Luzes. Não obstante, ou pela causa, de uma educação recebida no clima clérical da Restauração, os seus gostos literários levaram-no à admiração dos clássicos latinos, gregos e franceses. Entre os escrivãos do século XVIII, a sua principal admiração vai para Diderot. “ o mais vasto génio dos tempos modernos” (Justiça, III-85 ). E também, Voltaire surpreendê-lo-à talvez mais, que ele qualifica de “incomparável” ( Cor. VII-194 ). São bem menos pré-românticos.
Subindo mais alto, Proudhon sempre fez as suas delícias de Rabelais, modelo aos seus olhos do espírito francês ( cf. Nomeadamente Justiça, III-328 ). Confiantes no estudo mais perfeito, mostrava que ele não foi insensível às obras de inspiração bem diferentes, nomeadamente as de Shakespeare ( Cor., VII-25 ), Goethe e Schiller ( Cor. VI, 109-110 ) para não citar quais. Mas, quanto ao essencial, a sua preferência está sempre ligada à clareza de pensamento e ao rigor da língua. De uma forma geral na predominância da ideia elaborada sobre a sensação pura.
Ao longo dos seus anos de formação – entre 1820-1830 – não se conheciam ainda outros “românticos” franceses para além de Rousseau, o percursor e Chateaubriand, o anunciador. Defronte do primeiro, Proudhon aprovou os sentimentos de sedução e de repulsão, que são todos salvo os de indiferença: nós vamos lá voltar. Quanto ao autor do Génio do cristianismo, grande revelação literária da época da sua juventude, ele só tem desprezo por “este fraseador sem consciência” ( Justiça, II-380 ), modelo segundo ele, dos reitores lacrimosos e crentes que ele abomina ( as Memórias de Além-túmulo eram-lhe então, e por consequência, desconhecidas: elas parecem ficar conservadas ).
Agitando-se na obra de Jean-Jacques – que não se saberia ter à priori como “passéiste” – Proudhon frequentou bastante pelo contrário, ao ponto que os primeiros escritos fossem impregnados. Muitos dos aspectos reaproximam os dois homens: a origem plebeia, a raiva dos privilégios e a depravação mundana, o anti-conformismo quase selvagem. Mas o que, muito cedo, persegue Proudhon, é o facto que muitos terroristas tinham sido embuidos pelo Contrato Social. Pode-se dizer que, quando ele começa a escrever, é grande parte a partir das questões que lhe colocam, nomeadamente um Robespierre, a degenerência do igualitarismo da humanidade.
Muito cedo, Proudhon descobre que a raiva rousseautista da sociedade tem como origem uma exaltação furiosa do sentimento individual, na qual a infabilidade é oposta aos enfranquecimentos da razão. É isto a origem da desconfiança, para não dizer da quezília dos filósofos perante o seu associado inquietante.
Nada é mais estranho também a Proudhon do que esta espécie de misticismo vago, que se inocenta em todas as boas intenções: “dele”, exclama ele, ( vêem ) por linhas direitas todo o romantismo” ( Cadernos, III, 292 ). Bem mais tarde, recebendo o termo da La Boétie, ele o qualificará desdenhosamente de “femmelin” ( Justiça, IV-216 ). Os seus múltiplos regulamentos de conta com aquele que ele tinha admirado por um tempo, regressando à volta deste tema. Resumi-lo-emos, para fazer depressa este julgamento sem apelo: “… esta cabeça rachada não é francesa… é nele que começam o nosso romantismo e a nossa democracia absurda” ( Príncipio de Arte, 139 ). “Absurda” aqui reduz a acção política a uma efusão e o sufrágio a uma soma, como só se veio a ver muito em 48.
Tão diferente que ele seja na aparência de Rousseau, é este mesmo romantismo – no sentido alargado – que triunfará alguns anos mais tarde celebrando a tradição contra a inovação, reconstruindo uma Idade Média de ficção e referindo-se a um “génio” ancestral que dirigia as sociedades sem que elas tivessem consciência, produzindo os mestres de obra quase na ignorância dos seus autores.
Iludidos pelos desmentidos ulteriores de tantos escrivãos desta geração, nós temos a tendência para esquecer que, na sua juventude, eles eram reclamados daquilo que não podemos chamar de outro modo de”reacção”. Admirador de Napoleão, Chateaubriand foi em seguida o legitimista/apaixonado que se conhece. A passagem brutal do ultramontanismo para o socialismo é flagrante junto de Lamennais. Antes de celebrar a bandeira tricolor, Lamartine era um grande conservador vulgar. E Hugo, ele próprio, chamado para ser um profeta inspirado da esquerda, foi na sua juventude o zelado - e retribuído – defensor da monarquia restaurada, nomeado par de França em reconhecimento das suas adulações.
Proudhon, não o ignora nunca e não é o único. O socialismo nascente, que se associa sempre dos nossos dias ao romantismo, está tido na clareza destes literários, aristocratas antigos ou de longa data, onde as revoltas de fachada apanham mal a submissão na ordem estabelecida e após as ambições pessoais. O pequeno mundo dos cenéculos parisienses não tem nada em comum com os sofrimentos dos trabalhadores, mesmo quando ele difunde sobre as lágrimas de convenção.
Certamente, há excepções, pelo menos vistas do exterior. Por exemplo Georges Sand. Ei! falamos se Proudhon detesta os “femmelins”, sabe-se que ela é a sua concepção do papel das mulheres na sociedade. Uma mulher-autora, tendo deixado o seu marido e, mais, vivendo tudo como um homem, só podia arrepiar. Eu não lembraria um detalhe, pensando que nada aqui as ignora, os sarcasmos pouco galantes contra Georges Sand, que se encontra em inúmeras reconquistas sob a sua pena. Um dos escritos póstumos, publicado pelo estado onde ele foi encontrado ( A Pornocracia ) está quase inteiramente consagrado naquela querela, largamente prescrevida, e´preciso dizê-lo.
Além da polémica pessoal, permanece a adequação estricta estabelecida entre a moral e a revolução. A base do proudhonismo é recusar toda a diferença entre o que é dito e o que é feito. Eis o seu décimo, e não o meio, perante o romantismo e os românticos: eles são ( ou seriam ) substancialmente imorais. É uma consequência fatal do seu irracionalismo, segundo o autor da Justiça. A Srª Sand pode bem namoriscar com os socialistas, se ela não vive segundo o socialismo, ela não tem nada de socialista. A consequência o confirmará, pelo menos em parte.
Sobre este ponto fulcral, é preciso ainda remontar a Rousseau. Não somente a sua vida foi um contra-exemplo mas é para ele que remonta, sempre a mesma monstruosa hipertrofia do ego, a decadência dos costumes que segundo Proudhon caracteriza o século. Eis o seu diagnóstico deste assunto: “Héloise revelou o amor e o casamento… mas ela tem também preparada a dissolução: da publicação deste romance data para o nosso país o enfranquecimento das almas pelo amor, o enfranquecimento que devia seguir de perto uma fria e sombria desonestidade” ( Justiça, IV, 218 ).
Depreciador do amor-paixão – no qual ele diz: “O amor, eu não o amo” ( Justiça, IV-275 ) – Proudhon é antes demais o adversário desta “fraternidade” que vários socialistas, vencidos pelo sentimentalismo ambiente, colocando quase abaixo da liberdade e da igualdade.
Reminiscência ou substituto de uma religião adulterada, esta vaga aspiração à concórdia social só pode terminar nos piores enganos. Se a sociedade não está fundada sobre a Justiça, poder-se-à abraçar ao que melhor isso acabará sempre com os dramas.
Mesmo que a maioria dos socialistas cedam à moda, são feitos os defensores da união livre e do maltusianismo, mesmo daqueles que não juram que a mão sobre o coração, esperando sobre a sua própria generosidade, estão mais perto de beijar Lamounette do que das duras exigências da revolução a fazer.
Quanto ao romantismo político, Proudhon não lhe é menos hóstil, embora partilhando algumas das suas aspirações. Segundo ele, inflamar-se inconsideravelmente para a liberdade dos povos, é expôr a Europa ao dilaceramento, se não se propõe como questão desta liberação que uma ostentação de Estados soberanos seguindo o modelo do jacobinismo. Os Mazzini, os Kosbuth e os seus epígonos defendem uma causa justa com meios que se revoltam contra ela.
Antes da “Primavera dos povos” e nos anos que se seguiram, a polémica proudhoniana abunda nas palavras fustigantes perante estes nacionalistas do sentimento. No grande escândalo do partido republicano, o anarquista da Ideia geral da Revolução virá defender o equilíbrio dos tratados de 1815 contra os apóstolos da unidade italiana ou do pangermanismo. É a origem do seu federalismo, que se esforça para conciliar a exigência de autonomia com a necessidade de unidade. Sem estar com rodeios no assunto, este capítulo levava-nos muito longe.
Chegamos à arte, depois do total domínio real do romantismo. Fazendo da arte uma realização do ideal na sociedade, Proudhon recusa o lugar preponderante assinado no “foro sagrado”, na “inspiração” do criador. Ele não acredita neste divino respirar que divinizaria aquele que é favorizado e, colocam à parte outros humanos, conferindo-lhes todos os direitos.
A concepção proudhoniana da arte não se separa dos seus objectivos de trabalho no geral, já que para ele a obra artística só é uma das modalidades de acção humana sobre a matéria. O absolutismo artístico é também falso como todos os outros: os que proclamam o contrário acabarão em tiranos de arte, não menos perigosos que os tiranos políticos.
De uma certa maneira, todos os homens são artistas ou podem vir a sê-lo. Há tanta beleza na produção utilitária do que nas obras ditas artísticas: “Tal operário dispensa mais o espírito do que em ferrar um cavalo que tal folhetinista escreveu uma nova”. Ou ainda: “São precisas cem vezes mais inteligência para construir uma máquina a vapor que para escrever cem capítulos de Bálsamo; e tal patrão do Reno que não sabe ler dispensa mais do espírito fazendo um curso, que não há em todas as orientações ( Ideias revolucionárias, ed. De 1849, p. 48 ). Depois disso não se admira que Proudhon tivesse sido tido como um abominável filistino como grande parte dos bons espíritos da sua época.
Não é que ele despreze a arte, longe disso. Pelo contrário, o lugar que lhe é atribuído na história humana no geral e mais particularmente na sociedade futura é de toda a primeira importância como será ele aliás já que “a arte é mesmo a liberdade” ( Justiça, III-583 ), então o primeiro objectivo assinado na Revolução é a abolição de toda a servidão? Mas a arte não jogará plenamente seu papel já que ele está subordinado ao perfeccionismo de todos, e não reservado à glória vã de alguns. Na grande querela que ele ocupou no século, Proudhon tem vigorosamente condenado o sofismo da “arte pela arte”: “A arte pela arte (…) não descança sobre nada, não é nada” ( Príncipio de Arte, p. 70 ). Pelo contrário, ele toma decididamente partido a favor da “arte social”.
Apesar dos mal-entendidos terem circulado e circulam ainda nesta questão. A fórmula, quase tantológica da “arte social” não significa em nada que os criadores devem ser os propagandistas de uma forma particular da sociedade. O modelo proudhoniano não é o “grande” século, ainda menos o futuro “realismo socialista”. O que ele quer dizer é que a arte, como toda a produção humana, inscreve-se no conjunto do corpo social, onde ele exprime as aspirações e os sofrimentos, as cóleras e as esperanças. Todos são chamados para lá participar, quer seja como criadores ou como consumidores, distinção além de largamente formal.
“A arte é solidária da ciência e da Justiça: ele eleva-se com elas e desce ao mesmo tempo” ( Justiça, III-584 ). Os românticos afirmaram-se certamente que eles eram a voz da multidão e o eco do seu tempo. Como é que um artista digno deste nome poderia pensar o contrário? Mas a concepção do artista-demiurgo, a reivindicação de uma total independência, não seguros perante o poder estabelecido mas da sociedade, a pretensão aos direitos sem limites do génio, inscreviam-se falsamente contra esta reivindicação, tão sincera que ela tinha sido. Sem falar das infatuações mais medíocres e os interesses mercantis nos quais as grandes palavras de autonomia da criação, da soberania do artista e a religião da arte forneceram mais um alibi. Se a arte não tem como objectivo a delecção de alguns e a satisfação da vontade do poder do artista (ou pretendido), é uma mensagem, que contribui para dissolver o laço social pelo laço de criar.
Assim a hostilidade de Proudon aos olhos das teorias românticas, e o seu pouco gosto pela grande parte das obras que se reclamam, só puderam colocá-lo na margem dos literários do seu tempo. Inúmeros entre eles, particularmente todos os que se espalhavam pela pequena imprensa, não lhe ameaçaram os seus sarcasmos, à excepção dos limites da boa fé.
Mesmo os grandes ignoraram este Caliban filosófico, tão elogiado as suas concepções da sua linguagem e das formas de viver. Proudhon nota mesmo, por outro lado, que ele frequentou muito pouco dos seus contemporâneos. Quer estes o tenham desprezado, quer ele os tenha desprezado. Ele tem geralmente as palavras duras, injustas, para o pequeno mundo dos homens de letras que lhe é chegado a bordejar, em particular no jornalismo: “Para mim, eu vi pouco da vida destes boémias literárias, destas pinturas de amor e de virtude; eu conheço também um pouco as receitas do estilo, e eu não sou nada levado em fingimentos de J.-J. ( Rousseau ) do que dos de Balzac, J. Janin, Nodier e participantes (…) Este mundo arrasta-se, em virtude da faculdade literária, o privilégio do vício, da indelicadeza, da traição, da hipocrisia, e mesmo da intolerância: estes são os seres depravados que se idolatram, por algumas páginas em miniatura, onde se encontra a figura de algo de bom e honesto sentimentos. (…) …eu odeio estes homens, eu digo-lo sem…” ( Cadernos, III-291, 292 ).
Entre os escrivãos notórios do seu tempo, Michelet é um dos raros que Proudhon tinha frequentado um pouco, aliás, tardiamente e de forma um pouco compassada: os seus bens são tratados.
Pouco rancorosa, a boa Srª Sand desejou vê-lo, apesar de ele estar em Sainte-Pèlaige. Mas o prisioneiro recusa esta oferta. Em termos aliás, fortemente afáveis já que ele assegura aquele que ele era e será o objecto de tantos golpes vindo dele, da sua “vida e sincera admiração” ( Carta de 30 Janeiro de 1852, Fonds Sand da Bibl. Hist. da Cidade de Paris, Nº G 5244 ).
Na mesma época, e pelo mesmo motivo, Proudhon recebe também a visita de Victor Hugo, vindo para ver o seu filho Charles incarcerado no mesmo lugar. Este reencontro, certamente o último entre os dois homens é assim relatado nos Cadernos: “Eu recebi a visita do poeta Victor Hugo. Conversa bastante longa. V. Hugo é revolucionário desde os 30 anos. Ele crê que a fraternidade somente pode resolver a questão social” ( Cadernos, IV-294 ).
Nota-se o acento sarcástico sempre colocado sobre a palavra de fraternidade, e o tom geralmente condescendente desta breve anotação. Portanto, ainda que ele pinte o homem com uma miserável apreciação Proudhon tinha uma certa admiração para a obra de Hugo e, desde a monarquia de Julho, seguia com alguma curiosidade os progressos da sua orientação para com uma espécie de socialismo.
Eles tinham dado conhecimento logo quando, eleitos sobre a mesma lista complementar do Sena, eles tinham um e outro representantes do povo em 49. Os bens pareciam ter sido então sobretudo frios. De seguida um reencontro fortuito, o mesmo dia do golpe de Estado de 2 Dezembro, é relatado de forma sobretudo malévola por Hugo: ele insinua que a permissão obtida pelo prisioneiro precisamente nesta data, é devido a uma complacência significativa do poder que se colocava no lugar. A página termina assim: “Nós nos deixamos. Ele enterra-se no ombro, eu nunca mais o vi” ( História de um crime ). Nós sabemos que ele teve uma última conversa, sem dúvida depois a redacção deste texto.
Esta ruptura seca, sobre uma incompreensão recíproca, resumo e definitivo bastante bem os benefícios de Proudhon com os românticos. Da parte destes últimos uma missa à distância um pouco espantada, quando isso não foi uma ignorância condescendente. Do lado de Proudhon, a certeza que ele tinha num outro mundo e dirigia-se algures, que ele não tinha nada de comum com os literários. Atitude aos olhos do romantismo que se resume nesta interrogação, que é ao mesmo tempo uma resposta: “Temos necessidade do mal?” ( Justiça, I-261 ).
Francisco Trindade
Como homem do século XIX que ele foi, avançando mesmo nos assuntos, P.-J.Proudhon opõe-se portanto, constantemente ao grande impulso estético e ético da sua geração: o romantismo. Pode-se mesmo dizer que ele foi o mais consequente dos anti-românticos. Não seguros da rejeição da novidade, mas pelo nome das convicções que inspiraram toda a sua vida. Na origem, do romantismo – pelo menos em França – há um regresso nostálgico para com o passado, provocado pelo terrível choque do período revolucionário. Pelo contrário, levando em conta a Revolução que ele quis conduzir a seu termo, Proudhon está inteiramente orientado para o futuro.
Essencialmente racionalista, ele nunca recusou a sua dívida perante as Luzes. Não obstante, ou pela causa, de uma educação recebida no clima clérical da Restauração, os seus gostos literários levaram-no à admiração dos clássicos latinos, gregos e franceses. Entre os escrivãos do século XVIII, a sua principal admiração vai para Diderot. “ o mais vasto génio dos tempos modernos” (Justiça, III-85 ). E também, Voltaire surpreendê-lo-à talvez mais, que ele qualifica de “incomparável” ( Cor. VII-194 ). São bem menos pré-românticos.
Subindo mais alto, Proudhon sempre fez as suas delícias de Rabelais, modelo aos seus olhos do espírito francês ( cf. Nomeadamente Justiça, III-328 ). Confiantes no estudo mais perfeito, mostrava que ele não foi insensível às obras de inspiração bem diferentes, nomeadamente as de Shakespeare ( Cor., VII-25 ), Goethe e Schiller ( Cor. VI, 109-110 ) para não citar quais. Mas, quanto ao essencial, a sua preferência está sempre ligada à clareza de pensamento e ao rigor da língua. De uma forma geral na predominância da ideia elaborada sobre a sensação pura.
Ao longo dos seus anos de formação – entre 1820-1830 – não se conheciam ainda outros “românticos” franceses para além de Rousseau, o percursor e Chateaubriand, o anunciador. Defronte do primeiro, Proudhon aprovou os sentimentos de sedução e de repulsão, que são todos salvo os de indiferença: nós vamos lá voltar. Quanto ao autor do Génio do cristianismo, grande revelação literária da época da sua juventude, ele só tem desprezo por “este fraseador sem consciência” ( Justiça, II-380 ), modelo segundo ele, dos reitores lacrimosos e crentes que ele abomina ( as Memórias de Além-túmulo eram-lhe então, e por consequência, desconhecidas: elas parecem ficar conservadas ).
Agitando-se na obra de Jean-Jacques – que não se saberia ter à priori como “passéiste” – Proudhon frequentou bastante pelo contrário, ao ponto que os primeiros escritos fossem impregnados. Muitos dos aspectos reaproximam os dois homens: a origem plebeia, a raiva dos privilégios e a depravação mundana, o anti-conformismo quase selvagem. Mas o que, muito cedo, persegue Proudhon, é o facto que muitos terroristas tinham sido embuidos pelo Contrato Social. Pode-se dizer que, quando ele começa a escrever, é grande parte a partir das questões que lhe colocam, nomeadamente um Robespierre, a degenerência do igualitarismo da humanidade.
Muito cedo, Proudhon descobre que a raiva rousseautista da sociedade tem como origem uma exaltação furiosa do sentimento individual, na qual a infabilidade é oposta aos enfranquecimentos da razão. É isto a origem da desconfiança, para não dizer da quezília dos filósofos perante o seu associado inquietante.
Nada é mais estranho também a Proudhon do que esta espécie de misticismo vago, que se inocenta em todas as boas intenções: “dele”, exclama ele, ( vêem ) por linhas direitas todo o romantismo” ( Cadernos, III, 292 ). Bem mais tarde, recebendo o termo da La Boétie, ele o qualificará desdenhosamente de “femmelin” ( Justiça, IV-216 ). Os seus múltiplos regulamentos de conta com aquele que ele tinha admirado por um tempo, regressando à volta deste tema. Resumi-lo-emos, para fazer depressa este julgamento sem apelo: “… esta cabeça rachada não é francesa… é nele que começam o nosso romantismo e a nossa democracia absurda” ( Príncipio de Arte, 139 ). “Absurda” aqui reduz a acção política a uma efusão e o sufrágio a uma soma, como só se veio a ver muito em 48.
Tão diferente que ele seja na aparência de Rousseau, é este mesmo romantismo – no sentido alargado – que triunfará alguns anos mais tarde celebrando a tradição contra a inovação, reconstruindo uma Idade Média de ficção e referindo-se a um “génio” ancestral que dirigia as sociedades sem que elas tivessem consciência, produzindo os mestres de obra quase na ignorância dos seus autores.
Iludidos pelos desmentidos ulteriores de tantos escrivãos desta geração, nós temos a tendência para esquecer que, na sua juventude, eles eram reclamados daquilo que não podemos chamar de outro modo de”reacção”. Admirador de Napoleão, Chateaubriand foi em seguida o legitimista/apaixonado que se conhece. A passagem brutal do ultramontanismo para o socialismo é flagrante junto de Lamennais. Antes de celebrar a bandeira tricolor, Lamartine era um grande conservador vulgar. E Hugo, ele próprio, chamado para ser um profeta inspirado da esquerda, foi na sua juventude o zelado - e retribuído – defensor da monarquia restaurada, nomeado par de França em reconhecimento das suas adulações.
Proudhon, não o ignora nunca e não é o único. O socialismo nascente, que se associa sempre dos nossos dias ao romantismo, está tido na clareza destes literários, aristocratas antigos ou de longa data, onde as revoltas de fachada apanham mal a submissão na ordem estabelecida e após as ambições pessoais. O pequeno mundo dos cenéculos parisienses não tem nada em comum com os sofrimentos dos trabalhadores, mesmo quando ele difunde sobre as lágrimas de convenção.
Certamente, há excepções, pelo menos vistas do exterior. Por exemplo Georges Sand. Ei! falamos se Proudhon detesta os “femmelins”, sabe-se que ela é a sua concepção do papel das mulheres na sociedade. Uma mulher-autora, tendo deixado o seu marido e, mais, vivendo tudo como um homem, só podia arrepiar. Eu não lembraria um detalhe, pensando que nada aqui as ignora, os sarcasmos pouco galantes contra Georges Sand, que se encontra em inúmeras reconquistas sob a sua pena. Um dos escritos póstumos, publicado pelo estado onde ele foi encontrado ( A Pornocracia ) está quase inteiramente consagrado naquela querela, largamente prescrevida, e´preciso dizê-lo.
Além da polémica pessoal, permanece a adequação estricta estabelecida entre a moral e a revolução. A base do proudhonismo é recusar toda a diferença entre o que é dito e o que é feito. Eis o seu décimo, e não o meio, perante o romantismo e os românticos: eles são ( ou seriam ) substancialmente imorais. É uma consequência fatal do seu irracionalismo, segundo o autor da Justiça. A Srª Sand pode bem namoriscar com os socialistas, se ela não vive segundo o socialismo, ela não tem nada de socialista. A consequência o confirmará, pelo menos em parte.
Sobre este ponto fulcral, é preciso ainda remontar a Rousseau. Não somente a sua vida foi um contra-exemplo mas é para ele que remonta, sempre a mesma monstruosa hipertrofia do ego, a decadência dos costumes que segundo Proudhon caracteriza o século. Eis o seu diagnóstico deste assunto: “Héloise revelou o amor e o casamento… mas ela tem também preparada a dissolução: da publicação deste romance data para o nosso país o enfranquecimento das almas pelo amor, o enfranquecimento que devia seguir de perto uma fria e sombria desonestidade” ( Justiça, IV, 218 ).
Depreciador do amor-paixão – no qual ele diz: “O amor, eu não o amo” ( Justiça, IV-275 ) – Proudhon é antes demais o adversário desta “fraternidade” que vários socialistas, vencidos pelo sentimentalismo ambiente, colocando quase abaixo da liberdade e da igualdade.
Reminiscência ou substituto de uma religião adulterada, esta vaga aspiração à concórdia social só pode terminar nos piores enganos. Se a sociedade não está fundada sobre a Justiça, poder-se-à abraçar ao que melhor isso acabará sempre com os dramas.
Mesmo que a maioria dos socialistas cedam à moda, são feitos os defensores da união livre e do maltusianismo, mesmo daqueles que não juram que a mão sobre o coração, esperando sobre a sua própria generosidade, estão mais perto de beijar Lamounette do que das duras exigências da revolução a fazer.
Quanto ao romantismo político, Proudhon não lhe é menos hóstil, embora partilhando algumas das suas aspirações. Segundo ele, inflamar-se inconsideravelmente para a liberdade dos povos, é expôr a Europa ao dilaceramento, se não se propõe como questão desta liberação que uma ostentação de Estados soberanos seguindo o modelo do jacobinismo. Os Mazzini, os Kosbuth e os seus epígonos defendem uma causa justa com meios que se revoltam contra ela.
Antes da “Primavera dos povos” e nos anos que se seguiram, a polémica proudhoniana abunda nas palavras fustigantes perante estes nacionalistas do sentimento. No grande escândalo do partido republicano, o anarquista da Ideia geral da Revolução virá defender o equilíbrio dos tratados de 1815 contra os apóstolos da unidade italiana ou do pangermanismo. É a origem do seu federalismo, que se esforça para conciliar a exigência de autonomia com a necessidade de unidade. Sem estar com rodeios no assunto, este capítulo levava-nos muito longe.
Chegamos à arte, depois do total domínio real do romantismo. Fazendo da arte uma realização do ideal na sociedade, Proudhon recusa o lugar preponderante assinado no “foro sagrado”, na “inspiração” do criador. Ele não acredita neste divino respirar que divinizaria aquele que é favorizado e, colocam à parte outros humanos, conferindo-lhes todos os direitos.
A concepção proudhoniana da arte não se separa dos seus objectivos de trabalho no geral, já que para ele a obra artística só é uma das modalidades de acção humana sobre a matéria. O absolutismo artístico é também falso como todos os outros: os que proclamam o contrário acabarão em tiranos de arte, não menos perigosos que os tiranos políticos.
De uma certa maneira, todos os homens são artistas ou podem vir a sê-lo. Há tanta beleza na produção utilitária do que nas obras ditas artísticas: “Tal operário dispensa mais o espírito do que em ferrar um cavalo que tal folhetinista escreveu uma nova”. Ou ainda: “São precisas cem vezes mais inteligência para construir uma máquina a vapor que para escrever cem capítulos de Bálsamo; e tal patrão do Reno que não sabe ler dispensa mais do espírito fazendo um curso, que não há em todas as orientações ( Ideias revolucionárias, ed. De 1849, p. 48 ). Depois disso não se admira que Proudhon tivesse sido tido como um abominável filistino como grande parte dos bons espíritos da sua época.
Não é que ele despreze a arte, longe disso. Pelo contrário, o lugar que lhe é atribuído na história humana no geral e mais particularmente na sociedade futura é de toda a primeira importância como será ele aliás já que “a arte é mesmo a liberdade” ( Justiça, III-583 ), então o primeiro objectivo assinado na Revolução é a abolição de toda a servidão? Mas a arte não jogará plenamente seu papel já que ele está subordinado ao perfeccionismo de todos, e não reservado à glória vã de alguns. Na grande querela que ele ocupou no século, Proudhon tem vigorosamente condenado o sofismo da “arte pela arte”: “A arte pela arte (…) não descança sobre nada, não é nada” ( Príncipio de Arte, p. 70 ). Pelo contrário, ele toma decididamente partido a favor da “arte social”.
Apesar dos mal-entendidos terem circulado e circulam ainda nesta questão. A fórmula, quase tantológica da “arte social” não significa em nada que os criadores devem ser os propagandistas de uma forma particular da sociedade. O modelo proudhoniano não é o “grande” século, ainda menos o futuro “realismo socialista”. O que ele quer dizer é que a arte, como toda a produção humana, inscreve-se no conjunto do corpo social, onde ele exprime as aspirações e os sofrimentos, as cóleras e as esperanças. Todos são chamados para lá participar, quer seja como criadores ou como consumidores, distinção além de largamente formal.
“A arte é solidária da ciência e da Justiça: ele eleva-se com elas e desce ao mesmo tempo” ( Justiça, III-584 ). Os românticos afirmaram-se certamente que eles eram a voz da multidão e o eco do seu tempo. Como é que um artista digno deste nome poderia pensar o contrário? Mas a concepção do artista-demiurgo, a reivindicação de uma total independência, não seguros perante o poder estabelecido mas da sociedade, a pretensão aos direitos sem limites do génio, inscreviam-se falsamente contra esta reivindicação, tão sincera que ela tinha sido. Sem falar das infatuações mais medíocres e os interesses mercantis nos quais as grandes palavras de autonomia da criação, da soberania do artista e a religião da arte forneceram mais um alibi. Se a arte não tem como objectivo a delecção de alguns e a satisfação da vontade do poder do artista (ou pretendido), é uma mensagem, que contribui para dissolver o laço social pelo laço de criar.
Assim a hostilidade de Proudon aos olhos das teorias românticas, e o seu pouco gosto pela grande parte das obras que se reclamam, só puderam colocá-lo na margem dos literários do seu tempo. Inúmeros entre eles, particularmente todos os que se espalhavam pela pequena imprensa, não lhe ameaçaram os seus sarcasmos, à excepção dos limites da boa fé.
Mesmo os grandes ignoraram este Caliban filosófico, tão elogiado as suas concepções da sua linguagem e das formas de viver. Proudhon nota mesmo, por outro lado, que ele frequentou muito pouco dos seus contemporâneos. Quer estes o tenham desprezado, quer ele os tenha desprezado. Ele tem geralmente as palavras duras, injustas, para o pequeno mundo dos homens de letras que lhe é chegado a bordejar, em particular no jornalismo: “Para mim, eu vi pouco da vida destes boémias literárias, destas pinturas de amor e de virtude; eu conheço também um pouco as receitas do estilo, e eu não sou nada levado em fingimentos de J.-J. ( Rousseau ) do que dos de Balzac, J. Janin, Nodier e participantes (…) Este mundo arrasta-se, em virtude da faculdade literária, o privilégio do vício, da indelicadeza, da traição, da hipocrisia, e mesmo da intolerância: estes são os seres depravados que se idolatram, por algumas páginas em miniatura, onde se encontra a figura de algo de bom e honesto sentimentos. (…) …eu odeio estes homens, eu digo-lo sem…” ( Cadernos, III-291, 292 ).
Entre os escrivãos notórios do seu tempo, Michelet é um dos raros que Proudhon tinha frequentado um pouco, aliás, tardiamente e de forma um pouco compassada: os seus bens são tratados.
Pouco rancorosa, a boa Srª Sand desejou vê-lo, apesar de ele estar em Sainte-Pèlaige. Mas o prisioneiro recusa esta oferta. Em termos aliás, fortemente afáveis já que ele assegura aquele que ele era e será o objecto de tantos golpes vindo dele, da sua “vida e sincera admiração” ( Carta de 30 Janeiro de 1852, Fonds Sand da Bibl. Hist. da Cidade de Paris, Nº G 5244 ).
Na mesma época, e pelo mesmo motivo, Proudhon recebe também a visita de Victor Hugo, vindo para ver o seu filho Charles incarcerado no mesmo lugar. Este reencontro, certamente o último entre os dois homens é assim relatado nos Cadernos: “Eu recebi a visita do poeta Victor Hugo. Conversa bastante longa. V. Hugo é revolucionário desde os 30 anos. Ele crê que a fraternidade somente pode resolver a questão social” ( Cadernos, IV-294 ).
Nota-se o acento sarcástico sempre colocado sobre a palavra de fraternidade, e o tom geralmente condescendente desta breve anotação. Portanto, ainda que ele pinte o homem com uma miserável apreciação Proudhon tinha uma certa admiração para a obra de Hugo e, desde a monarquia de Julho, seguia com alguma curiosidade os progressos da sua orientação para com uma espécie de socialismo.
Eles tinham dado conhecimento logo quando, eleitos sobre a mesma lista complementar do Sena, eles tinham um e outro representantes do povo em 49. Os bens pareciam ter sido então sobretudo frios. De seguida um reencontro fortuito, o mesmo dia do golpe de Estado de 2 Dezembro, é relatado de forma sobretudo malévola por Hugo: ele insinua que a permissão obtida pelo prisioneiro precisamente nesta data, é devido a uma complacência significativa do poder que se colocava no lugar. A página termina assim: “Nós nos deixamos. Ele enterra-se no ombro, eu nunca mais o vi” ( História de um crime ). Nós sabemos que ele teve uma última conversa, sem dúvida depois a redacção deste texto.
Esta ruptura seca, sobre uma incompreensão recíproca, resumo e definitivo bastante bem os benefícios de Proudhon com os românticos. Da parte destes últimos uma missa à distância um pouco espantada, quando isso não foi uma ignorância condescendente. Do lado de Proudhon, a certeza que ele tinha num outro mundo e dirigia-se algures, que ele não tinha nada de comum com os literários. Atitude aos olhos do romantismo que se resume nesta interrogação, que é ao mesmo tempo uma resposta: “Temos necessidade do mal?” ( Justiça, I-261 ).
Francisco Trindade
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