O texto a seguir foi retirado do sítio Canto Libertário e aborda o termo que aparece em seu título. Num momento em que ocorre uma enorme confusão de significados, é importante retomar algumas definições para que elas, de certa forma, orientem àqueles que buscam uma vida mais livre - Dr. Bogóloff
Ultimamente virou moda da esquerda e da direita – para usar esses velhos conceitos enquanto não desaparecem do mercado – usar à toa a palavra libertários e tudo qualificar de libertário.
Esse termo de raiz francesa, não deve ser confundido com o neologismo de origem americana, libertarian, que eu traduziria por libertarista, mas que quando usado pela nova direita norte-americana deveria ser traduzido por liberticida, tal é a genealogia do cinismo de tais personagens.
Quanto à palavra libertários, ela foi introduzida nos debates sociais pelos anarquistas franceses no final do século XIX, mas, como é óbvio, nunca registraram o termo ou sequer pensaram em declarar o monopólio do seu uso ou a sua propriedade, até porque como afirmou enfaticamente Proudhon: a propriedade é um roubo.
No entanto, a partir daí tornou-se sinônimo de anarquista, como é fácil conferir em qualquer bom dicionário de língua francesa ou portuguesa. O dicionário Aurélio, por exemplo, define assim o termo: partidário da liberdade absoluta; anarquista. No dicionário da Porto Editora a definição é similar: indivíduo que não admite nenhuma restrição às liberdades individuais; anarquista. Nesse sentido a palavra libertário foi escolhida para dar nome a jornais e publicações anarquistas em vários países – no Brasil existiram pelo menos quatro jornais com esse nome na década de 20 e um quinto na década de 60 –, sendo também o adjetivo usado para qualificar um socialismo federalista sem Estado, ou as práticas anti-autoritárias dos anarco-sindicalistas e anarquistas.
O uso dessa palavra não foi por acaso, a liberdade sempre fez parte da reflexão central dos anarquistas que, a partir do século XVIII, fizeram uma crítica demolidora do Estado e do autoritarismo. Essa crítica, começada por William Godwin e continuada por Proudhon, Bakunin, Kropotkin e por importantes pensadores do nosso século como Herbert Read, Paul Goodman, Murray Bookchin e Noam Chomsky – e no Brasil por militantes como José Oiticica, Edgard Leuenroth, Fábio Luz e Maria Lacerda Moura – manteve, no essencial, toda a sua pertinência no nosso século marcado por ditaduras de todo o tipo e pelo culto do Estado forte. No seio da corrente socialista, não sendo os libertários os únicos que tentaram pensar uma sociedade autônoma e auto-organizada, foram certamente os que foram mais longe na defesa desse objetivo. Por essa razão tornaram-se o alvo preferencial de todos os autoritários: dos defensores do Estado liberal e das ditaduras do Capital aos partidários da chamada ditadura do proletariado.
A influência social e intelectual do anarquismo foi marcante em vários países e mesmo quando enfraqueceram como movimento social, mantiveram um discurso e uma prática que levou a que escritores como os surrealistas, Breton e Péret, pensadores como Camus, e movimentos sociais como o ecologista e pacifista, expressassem a afinidade que tinham em relação a esse movimento social histórico que manifesta o desejo de materialização de uma radical justiça e liberdade nas sociedades humanas.
Não me parece que seja por ignorância que, hoje, o termo libertário se vulgarizou na boca e na escrita dos maiores desafetos da liberdade. Depois que o muro caiu no Leste e os porões das ditaduras foram abertos no Oeste, virou moda falar de liberdade e libertários, o que pode, de certa forma, ser encarado como um progresso. Melhor que se fale de liberdade do que de autoridade, melhor que se expressem valores libertários que autoritários, preferível que se deseje o fortalecimento da sociedade do que do Estado. Esse era certamente também o desejo dos anarquistas franceses que introduziram o termo nos debates sociais e políticos.
No entanto, dá para desconfiar quando se vê os liberais defensores do Estado chamado mínimo – mínimo na sua vertente social e máximo no poder das burocracias, da repressão e do militarismo – e os socialistas defensores do Estado máximo, usarem agora também a expressão libertário. Nesses casos, o uso significa somente um modismo ou adaptação aos novos tempos por parte de partidários de velhos valores autoritários. Até porque a "modernização" lingüística não impede que se detectem nas outras palavras usadas e, principalmente, nas suas práticas, os desejos de um Estado forte e de uma sociedade fraca, de muita autoridade e poder e pouca autonomia e liberdade. Ou seja, precisamente o contrário do que significa etimológica e historicamente a palavra libertário.
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